segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

querida morte

Eu escrevi um poema para voce. Ele nao dizia nada, mas clamava por ajuda. Era um daqueles poemas mudos. As letras foram caindo do meu bolso durante toda a minha vida. As janelas do quarto estao abertas, mas eu nao sinto vontade de voar. Os mesmos bilhetes em cima da mesa, os mesmos coraçoes partidos e os mesmos passos que vao para nunca mais. E eu aqui. Por onde anda voce, hein? O mundo nao quer mais girar. As placas estao borradas. Os amores viraram filmes. Eu sinto saudade de um tempo que nao era meu. Eu descobri que dizer "adeus" é um bom começo longe da vida. Eu estou partindo hoje, no trem das sete. Me espere na mesma cama de sempre, eu nao estarei mais la. Com carinho, eu mesmo.

quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

valentina

Do alto da roda-gigante voce me apontava euforica os tantos lugares ja desbravados por voce. A arvore estranha de tronco aconchegante que esperava a chuva com tanto calor. Do outro lado da cidade um casal de passarinhos passeava ao som do alto-falante que nao queria calar. Mas eu calava. Voce estava tao euforica naquele dia que eu nao sabia me conter. O mundo girava. Ou era a roda-gigante? Voce apontava para a menina de pernas tortas de tanto ballet. Ela olhava para a roda-gigante tao euforica quanto voce. Voces se apontavam com o olhar. Os olhos dela refletiam as luzes vermelhas e verdes da nossa espaçonave. Os seus olhos refletiam as nuvens desenhadas que ela nunca conseguiu enxergar sozinha. No parque, entre os eternos campos de morango, estava voce deitada olhando para o céu de olhos fechados. Voce apontava euforica para os lados. Para todos os lugares que eu nunca hei de sair. Voce apontava para todos os lugares que voce nunca ha de partir. Voce apontava para o meu coraçao.

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

ma belle - parte 3

O que poucos sabiam, era tudo o que se havia de saber. Olhavam bem no fundo de Belle e perguntavam: "Me diga, Belle. Onde voce vive? Me diga, eu imploro." E imploravam. Imploravam tanto, que as janelas de Belle iam se fechando, se fechando, e dormiam. A casinha de Belle era ela mesma. Ela se habitava. Ela se descobria. Por fim, Belle vivia dentro dela o tempo inteiro.

ma belle - parte 2

Poucos se atreviam a bater na porta. Mas os que se atreviam, deveriam entrar. Poucos se atrevem a viver. E os que se atrevem, devem viver. Sem telhados, os barulhos de chuva eram constantes. Belle e a chuva. O nome do espetaculo atuado por ela todos os dias. Os olhinhos encharcados, sem saber onde se chorava e onde se chovia. Os cabelos escorridos. E o coraçao posto no varal para secar. As pessoas procuravam por vidas inteiras a casinha de Belle. Nao encontravam. Nao havia endereço. Ou se havia, nunca era o mesmo. Movia-se violentamente. Era uma metamorfose ambulante. Frases soltas, campos de morango e laços de vestido. As pistas levavam a todos os lugares e a lugar nenhum. Onde estarà Belle?

ma belle - parte 1

Ja era tarde, e a casa continuava vazia. Belle estava dentro, mas nao pertencia a ela. Os calçados descançavam pelos cantos. Alguns foram feitos de armadilha, amarrados pelo cadarço, de maos dadas. Castelos de livros e papéis desmoronavam a todo instante. Nas estantes ficavam as coisas mais importantes para Belle. Ela as trocava todos os dias. Uma vez ela até mesmo ficou o dia inteiro plantada em cima da estante, em posiçao fetal. Um olhar timido e um ar euforico. Nesse dia, ela era a coisa mais importante do mundo para ela mesma. O aroma entrava pelos olhos das visitas. Eram raras, assim como os visitantes que entravam dentro dela. O café combinava com tudo. Com a cor das paredes. Com a mesa do jantar. Com as velas apagadas. Com as roupas de Belle. Com Belle sem as roupas. Mas o que mais combinava com o aroma de café recém nascido, era a chuva. Pareciam uma sò. Chovia café nos arredores dessa casinha.

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

o dicionario

Dizem que amor é um lugar muito temido. Habitado por monstros de cinco cabeças, chamados de "insomnia". É um labirinto torto. Dizem que coraçao é vermelho e que bate. E quanto menos bate, mais ele é de verdade. Dizem que o coraçao nao pode parar, mas no caderno da pequena menina, coraçao é feito de giz-de-cera e vive parado. Coraçao é um rabisco, e apenas um rabisco. Dizem que voce é pronome, e reclamam quando eu te chamo em silencio. Dizem, dizem, dizem, e nao sabem nada. Apenas dizem. Dizem que o dicionario é um lugar onde dizem as coisas que as coisas nunca quiseram dizer.

silencio

Hoje, nada do que eu escreva, vai dizer o que nao se consegue escrever.

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

borboletas no estomago

As borboletas rumaram para o sul. Foram todas juntas, em plena harmonia. Voaram alto, passaram por baixo de pontes, rodopiaram com o assovio do vento e quase que chegaram despetaladas ao destino. Nunca souberam qual era realmente o destino de toda essa viagem. No céu, setas de estrelas indicavam, caminho por caminho, quantas vezes teriam de bater as asas por minuto. Eram muitas, muitas vezes. E quando todas pousaram o cansaço em um galho seco, estavam no estomago de uma menina.

sobre o amor

Para mim, hoje, o amor é apenas Roma ao contrario.

o menino corajoso

Que coragem teve ele. Tomou um banho de vento, e se secou com a garoa. Que a garota se molhava. Assim por que, nao sabia imaginar.

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

o estranho mundo de clalice

Clalice acordava trancada à sete chaves. Tudo em completa desordem, começando pelo seu nome. Abrir Clalice e descobrir o que se passava dentro dela era tarefa dificil. Nem ela mesma ousava tentar. Poderia despertar os monstros da vida adulta. Os monstros que passavam horas contando e multiplicando os dedos em numeros. Clalice queria contar estrelas. Contar estorias. Queria perder a conta. Queria se perder de todo o resto. Mas todo o resto ja estava perdido. E estar perdido, é a unica forma de se encontrar.

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

(des)mentindo a despedida

Ela partiu às 07h00 do dia seguinte. Eu ainda sonhava sob o efeito da nossa ultima briga de silencios. Eu nao falava nada, enquanto ela calava tudo. Aos berros o fim foi sendo desenhado na madrugada que nao mais era de espirros provocados pela poeira da pilha de vinis espalhados pela sala e da fumaça de nossos cigarros nunca compartilhados. Ela soluçando palavras nunca antes nao ditas. Eu chorando ao contrario, por saber que a ultima noite nunca dura para sempre. O que durou, entre eu e ela, foi o nunca... para sempre.

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

corações

Ela abria o coração. Ele fechava o livro. Ela dizia palavras em ordem alfabética. Ele guardava o silêncio na bagunça do pensamento. Ela olhava. Ele desviava o olhar. Ela tinha medo. Ele, alguns segredos que não existiam ainda. Um nasceu para o outro. O outro, nunca existiu.

terça-feira, 25 de outubro de 2011

fechadura

Ela tentava espiar o mundo pela fechadura. Mas ela nao estava dentro, estava fora. Juntava alguns banquinhos e ficava na ponta dos pés. Adicionava alguns livros rasgados pelo tempo e subia mais uns centimetros de paginas. Era tao dificil chegar la encima para colocar os olhinhos vidrados pela fechadura e poder descobrir o que havia la dentro. O que havia la dentro? Fora havia a menina, alguns tombos doloridos e o par de olhos curiosos. A menina parou. Chorou. Parou de chorar. A menina parou denovo. Olhou em volta. E apenas quando parou de olhar em volta percebeu que estava flutuando. Olhou para cima e encontrou a fechadura: o céu era a porta do mundo.

sábado, 15 de outubro de 2011

bem-vindo

Uma xicara nunca vista, decidiu servir-se aos convidados. Sejam bem-vindos, corram, leiam, antes que a pobre xicara caia no chao e quebre.