quarta-feira, 28 de março de 2012

solidão

 Abro o guarda-roupa e aqueles trapos me recusam em revolução. Agarram-se aos cabides e se fingem de mortos, pedem em silêncio para serem enterrados no cemitério de roupas, o tal "brechó". As gavetas insistem em não abrir, seguram firme umas nas outras, enferrujam urgentemente e não abrem. Os papéis, as letras, os curingas, as invenções. O toca-discos está rouco. Não há música que dure por muito tempo em meus ouvidos. Pego o telefone de lata com as mãos frias de tristeza e ligo para o número cósmico. Tum, tum, tum. Do outro lado da linha eu ouço lágrimas. Eu ouço o café esfriar. Eu ouço você dizer adeus. Eu só não ouço o meu coração bater.

quarta-feira, 14 de março de 2012

das lágrimas

 Ela nunca disse adeus. Acordou mais cedo do que de costume, me olhou nos olhos ainda sonhadores da madrugada, fez o café que tanto esquentara nossos dias frios e não tocou na nossa trouxa de roupas tão não usadas. Sentou na minha cadeira de balanço e ensaiou o bilhete de despedida dezenas de vezes. Tanto ensaiou que teve forças apenas para acender um ultimo cigarro. Ele tragou sozinho nossas tristezas. Ela levantou, trancou a porta e não disse adeus. Eu acordei com o gosto do café nos lábios, mas eles não existiam. O maço de cigarros nos bolsos, mas eles não existiam. Ela não existia, e nem sequer disse adeus. Em cima da mesa, de mãos dadas com o cinzeiro, aquele bilhete. Eu sentei, olhei para ele com os olhos embaçados e nada vi. Ele estava em branco. Sem linhas ou entrelinhas. Sem frases ou crases. Sem pontos ou contos. Sem um adeus. Antes que eu pudesse ler alguma  despedida da minha pequena, minhas lágrimas trataram de encharcar o papel. Ela não disse adeus.