segunda-feira, 15 de julho de 2019

sem teto

moça,
estou vendendo um sapato usado
que não tem preço mas é muito caro
e de tão caro
ele é de rei

meu caro,
eu esqueci que ele está rasgado
mas já andou por alguns trens lotados
e se perdeu
tentando descansar

e dança,
eu sei que dança quando está sozinho
fica manchado quando bebe vinho
se desmanchando
por bota qualquer

senhora,
mas olhe bem pra essa sola gasta
e não importa se está descalça
nem cola prenderia
ao chão
daqui.

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

quarta-feira, 28 de março de 2012

solidão

 Abro o guarda-roupa e aqueles trapos me recusam em revolução. Agarram-se aos cabides e se fingem de mortos, pedem em silêncio para serem enterrados no cemitério de roupas, o tal "brechó". As gavetas insistem em não abrir, seguram firme umas nas outras, enferrujam urgentemente e não abrem. Os papéis, as letras, os curingas, as invenções. O toca-discos está rouco. Não há música que dure por muito tempo em meus ouvidos. Pego o telefone de lata com as mãos frias de tristeza e ligo para o número cósmico. Tum, tum, tum. Do outro lado da linha eu ouço lágrimas. Eu ouço o café esfriar. Eu ouço você dizer adeus. Eu só não ouço o meu coração bater.

quarta-feira, 14 de março de 2012

das lágrimas

 Ela nunca disse adeus. Acordou mais cedo do que de costume, me olhou nos olhos ainda sonhadores da madrugada, fez o café que tanto esquentara nossos dias frios e não tocou na nossa trouxa de roupas tão não usadas. Sentou na minha cadeira de balanço e ensaiou o bilhete de despedida dezenas de vezes. Tanto ensaiou que teve forças apenas para acender um ultimo cigarro. Ele tragou sozinho nossas tristezas. Ela levantou, trancou a porta e não disse adeus. Eu acordei com o gosto do café nos lábios, mas eles não existiam. O maço de cigarros nos bolsos, mas eles não existiam. Ela não existia, e nem sequer disse adeus. Em cima da mesa, de mãos dadas com o cinzeiro, aquele bilhete. Eu sentei, olhei para ele com os olhos embaçados e nada vi. Ele estava em branco. Sem linhas ou entrelinhas. Sem frases ou crases. Sem pontos ou contos. Sem um adeus. Antes que eu pudesse ler alguma  despedida da minha pequena, minhas lágrimas trataram de encharcar o papel. Ela não disse adeus.

sábado, 18 de fevereiro de 2012

descanavalizar

É carnaval. Hoje as pessoas nao querem ser elas mesmas. Umas viram belas, outras viram feras. De noite Joana é pierrot, de dia Colombina é ator. Eu estou entre as serpentinas e as marchinhas, caminhando pelos restos de alegria. Eu estou sentado no banco de madeira sujando a minha roupa branca e olhando para voces, caros mascarados. Meu carnaval eu faço comigo mesmo, longe de todos e de tudo. É uma regra. Estou deitado em minha cama e no fundo do sono eu ouço os batuques felizes da madrugada. Enquanto voces inventam a alegria, eu tomo meu cha de sumiço e durmo.

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

o espetáculo vida

  Abram-se as cortinas. Venham. Venham. O espetáculo está para começar. Encontre uma poltrona vazia e sente-se. O maior espetáculo de todos está bem alí, na nossa frente. Atrás dessa cortina os personagens respiram fundo antes de entrar em cena. E fecham-se as portas. Silêncio. Até os passos mais sutis podem incomodar a platéia. Cena 1: Lá estou eu, andando pelos holofotes e de meias brancas, esperando o fim desse teatro mágico. Tropeço e o som do acordeon vai ficando mais alto até que me deixa completamente surdo. Ver é fácil quando se tem olhos fechados. Fecho os olhos. Do meu lado passeiam pessoas em passos de valsa. Apertem os cintos, estamos prestes à decolar. Entre capitão, grite para nossos tripulantes. Olho para o meu lado esquerdo, e vejo direito todas as frases que ele perdeu pelo caminho. "Rumo à lua num tapete voador" - Gritou o senhor capitão, de farda azul espacial. O foguete desaba em pleno cenário e desmonta feito relógio, que tic-tac-tic-tac. O despertador anuncia o fim do espetáculo. Cena 2: Eu estou sentado no topo do universo, e observo todas as cenas. Personagens atrás de máscaras e cortinas. Abram-se os sorrisos. É hora de anunciar para toda a platéia deste mundo que não existe diretor. O teatro é mágico e livre até que as cortinas se fechem novamente.

Fecham-se as cortinas...