sábado, 11 de fevereiro de 2012

caracóis imaginários

  Ela esparramava seus caracóis em cima do menino, todos os dias. Era uma regra. Uma regra só sua. E do menino que aceitava sem resmungar. Eram tão lindos seus redemoinhos dourados. Ele nunca fazia força para se desvencilhar da armadilha. Pelo contrário, todas as manhãs, quando acordava, trilhava até a casinha de boneca da menininha cacheada e ficava sentado na calçada até ela aparecer na janela com a boca suja de café e dizer bem alto para ele: "você está pronto?". Mas que pergunta tolinha, pensava ele em voz baixa. Quando ele não estaria pronto para ela? Então era quando ela descia os três degraus de casa fazendo os doces barulhos de passos frágeis e corria para dentro da casinha, sempre segurando o vestido para não arrastar poeiras cósmicas. Ele arrancava uma flor do jardim, respirava fundo algumas vezes (como seu pai lhe ensinara) e tocava a campainha. A menininha abria a porta com um sorriso laranja de sol e esparramava-lhe os caracóis por toda a parte do corpo. Todos os dias era a mesma regra, sem excessões. Mas certa manhã o menino ficou esperando sua companheira na calçada e ela não apareceu. A flor murchou, a campainha acampou-se na ferrugem e o dia borrou inteirinho o céu de um preto triste. Ele chorou, levantou e olhou para a janela pela última vez. Lá estava ela, desenhada no vidro esbaçado de café. Não era ela que havia sumido, era ele que a tinha inventado.

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